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Hemorragia pós-parto: um guia completo sobre riscos, sinais de alerta e por que a cesariana exige atenção redobrada

  • Foto do escritor: equipematernalis
    equipematernalis
  • 20 de out.
  • 11 min de leitura

O período imediatamente a seguir ao parto, conhecido como puerpério, exige vigilância e cuidados atentos para garantir a saúde da mãe. Uma das complicações mais sérias deste período é a hemorragia pós-parto (HPP). Embora a maioria dos partos ocorra sem incidentes graves, compreender o que é a HPP, como reconhecê-la e quais os fatores que aumentam o seu risco é fundamental. Esta complicação é uma das principais causas de mortalidade materna em todo o mundo, mas a grande maioria destes casos pode ser evitada com um diagnóstico precoce e tratamento adequado.


O que é, exatamente, a Hemorragia Pós-Parto?

Após o parto, é perfeitamente normal que a mulher experiencie um sangramento vaginal, conhecido clinicamente como lóquios. Este sangramento é o resultado da cicatrização do local onde a placenta estava ligada ao útero e pode durar várias semanas, mudando gradualmente de cor e volume. No entanto, a hemorragia pós-parto é algo completamente diferente e muito mais perigoso. A definição tradicional para a HPP baseia-se no volume de sangue perdido. Até pouco tempo, considerava-se HPP uma perda de sangue superior a 500 ml após um parto vaginal ou superior a 1.000 ml após uma cesariana. Esta distinção no volume já nos dá a primeira pista de que a via de parto influencia a perda de sangue esperada. Contudo, as novas diretrizes de manejo da HPP alteram essas definições. Continue lendo para entender.


Uma definição mais funcional e talvez mais importante para a segurança da mãe é a que considera HPP qualquer perda de sangue capaz de causar instabilidade hemodinâmica. Em termos simples, isto significa que qualquer sangramento que seja suficientemente intenso para causar tontura, fraqueza, palpitações ou desmaio deve ser tratado como uma emergência, independentemente do volume exato medido.


A percepção da própria mulher ou de um familiar de que "algo não está bem" ou que o sangramento é "maior do que o habitual" é um sinal de alerta valioso que deve ser comunicado imediatamente à equipe. Confiar nestes sinais subjetivos é um pilar fundamental para a deteção precoce e pode fazer a diferença entre uma recuperação tranquila e complicações graves.


O relógio do puerpério: HPP precoce vs. tardia

O risco de uma hemorragia não termina quando a mãe deixa a sala de parto. A HPP é classificada com base no momento em que ocorre. A HPP primária, ou precoce, é a mais comum e ocorre nas primeiras 24 horas após o nascimento do bebê (principalmente nas primeiras 2 horas). No entanto, o perigo pode manifestar-se mais tarde. A HPP secundária, ou tardia, define-se como um sangramento excessivo que ocorre entre 24 horas e até 6 a 12 semanas após o parto. Embora menos frequente, a HPP tardia é particularmente traiçoeira porque, muitas vezes, a mãe já recebeu alta hospitalar e está em casa. Essa realidade demonstra a importância de educar as novas mães e as suas famílias sobre os sinais de alerta. Um aumento súbito do sangramento, o regresso de sangue vermelho vivo, ou o aparecimento de outros sintomas preocupantes exigem contato imediato com um profissional de saúde.


O que o corpo sinaliza

O corpo envia sinais claros quando a perda de sangue se torna perigosa. É fundamental que a mãe, o seu parceiro e a sua família estejam familiarizados com estes sinais de alerta para que possam procurar ajuda. Muitos destes sintomas são, na verdade, sinais tardios de choque hemorrágico, o que reforça a urgência de agir ao primeiro sinal de preocupação.


Os principais sinais e sintomas de hemorragia pós-parto incluem:

  • Sangramento vaginal excessivo e contínuo: O sangramento que não diminui, que encharca mais de um absorvente por hora ou a expulsão de grandes coágulos de sangue.

  • Queda da pressão arterial: Um dos sinais de que o corpo está perdendo muito volume sanguíneo.

  • Aumento da frequência cardíaca: O coração tenta compensar a perda de sangue batendo mais rápido para fazer circular o sangue restante pelo corpo. A mulher pode sentir palpitações.

  • Tonturas, vertigens ou sensação de desmaio: Estes sintomas ocorrem quando o cérebro não recebe oxigénio suficiente devido à diminuição do fluxo sanguíneo.

  • Pele pálida, fria e úmida: À medida que o corpo entra em choque, desvia o sangue dos membros e da pele para os órgãos vitais, resultando numa aparência pálida e numa pele fria ao toque.

  • Fraqueza ou fadiga extrema: Uma sensação avassaladora de cansaço que vai além da exaustão normal do pós-parto.

  • Confusão ou desorientação: Um sinal grave de que o choque está afetando a função cerebral.

  • Diminuição da produção de urina: Os rins recebem menos fluxo sanguíneo e produzem menos urina.

Qualquer um destes sintomas, isoladamente ou em combinação, justifica uma avaliação imediata. A rapidez na resposta é o fator mais determinante para prevenir complicações graves, como a necessidade de transfusões de sangue, procedimentos cirúrgicos de emergência ou, nos casos mais extremos, consequências fatais.


Sobre as causas

A HPP é causada principalmente por 4 fatores:

  • Tônus (quando o útero não se contrai após o parto)

  • Trauma (lacerações)

  • Tecido (restos de placenta)

  • Trombina (problemas de coagulação).


A atonia uterina (falta de tônus) é a causa principal. Um ponto crucial destacado nas diretrizes é que, embora alguns fatores de risco sejam conhecidos (vamos falar deles em breve), a maioria das mulheres que desenvolvem HPP não tinha fatores de risco identificáveis.


Três pilares

Pilar 1: Prevenção

Antes do parto, o foco é identificar a anemia com hemograma completo e corrigi-la.

  • Suplementação diária com ferro oral (30 mg a 60 mg) e ácido fólico (400 µg) para todas as gestantes.

  • Para mulheres que não toleram o ferro oral ou precisam de correção rápida, o ferro intravenoso é recomendado. Mas cuidado com os excessos! Infelizmente, hoje em dia temos visto muitos profissionais indicando o ferro venoso indiscriminadamente para aumentar o lucro em suas clínicas.


Durante o parto, para reduzir o risco de trauma genital, as diretrizes recomendam:

  • Massagem perineal ou compressas quentes, com base na preferência da mulher.

  • Evitar episiotomia (corte cirúrgico no períneo).

  • Pessoalmente, também damos preferência para liberdade de posicionamento e um período expulsivo tranquilo, evitando manipular o períneo e sem puxos dirigidos ("força, força, força, não para, prende o ar e empurra!").

  • E aquela puxadinha da placenta? Bom, tracionar a placenta não é obrigatório. O que os estudos mostram é que isso pode reduzir um pouco da perda de sangue e acelerar a saída da placenta (coisa de 3 minutos a menos). Talvez seja uma estratégia interessante pra quem tem alto risco de hemorragia, mas você, gestante de risco habitual, pode decidir sobre isso e registrar no plano de parto qual é sua preferência. IMPORTANTE: se você teve um parto sem assistência, no carro, na porta do hospital, ou até em casa, não puxe a placenta!


Após o parto, um período mais crítico para a prevenção, recomenda-se:

  • Uso de uterotônicos: injeção intramuscular ou intravenosa de ocitocina para todas as mulheres (isso é diferente da ocitocina frequentemente usada para aumentar contrações durante o trabalho de parto).

  • Clampeamento tardio do cordão umbilical (1 a 3 minutos após o nascimento), a menos que o bebê precise ser reanimado. E isso ainda pode ser questionado, uma vez que a prática de reanimação com bebê ainda ligado na mãe tem crescido no mundo.

  • Massagem uterina: não é recomendada como intervenção de rotina para prevenir a HPP em mulheres que já receberam ocitocina!


Pilar 2: Diagnóstico

Atrasos no diagnóstico são uma das principais causas de complicações. As diretrizes enfatizam que a "estimativa visual" da perda de sangue não é confiável e geralmente subestima o volume perdido. Mas isso é assunto pros profissionais!

O tratamento deve começar se ocorrer qualquer um destes cenários:

  • Perda de sangue > 300 mL combinada com qualquer sinal anormal (ex: pulso acima de 100 bpm, índice de choque >1);

  • Perda de sangue ≥ 500 mL;


Outro aspecto importante é a avaliação abdominal do tônus uterino (apalpando o útero). É recomendada para todas as mulheres para identificar precocemente a atonia uterina, mas não significa fazer massagens dolorosas como prevenção!


Pilar 3: Tratamento

Quando a HPP é realmente diagnosticada, a resposta deve ser imediata e coordenada. Se você passou por uma hemorragia, pode ter observado que a equipe precisou fazer:

  1. Massagem uterina para estimular a contração - sim, aquela chata e frequentemente dolorida;

  2. Dois acessos venosos para administrar medicações (ocitocina, ácido tranexâmico) e soro;

  3. Coletar sangue para exames;

  4. Mais uma injeção, dessa vez com methergin (exceto para mulheres com pressão alta);

  5. Avaliar o trato genital para identificar lacerações sangrantes;

  6. Colocar um aparelho de pressão e oximetria no seu braço/dedo;

  7. Colocar um comprimido de misoprostol no seu reto ou debaixo da lingua;

  8. Apertar o meio do seu abdomen com bastante pressão;

  9. Colocar uma sonda e inflar um balão dentro do útero;

  10. Ir para o centro cirúrgico para corrigir lacerações difíceis;

  11. Por último, em casos gravíssimos, existe a possibilidade da retirada do útero.


Cuidados após a HPP

Após a estabilização, o cuidado continua.

  • É essencial tratar a anemia resultante da perda de sangue;

  • Algumas mulheres vão precisar de transfusão;

  • A suplementação de ferro oral deve ser mantida, assim como no pré-natal, por pelo menos mais 3 meses;

  • Em casos de anemia grave ou intolerância ao ferro oral, realizar terapia com ferro intravenoso.


E os tais "restos de placenta"?

Refere-se à retenção de tecidos dentro do útero após o parto, sendo a causa de aproximadamente 10% dos casos de HPP.

Normalmente, a placenta inteira deve ser expelida logo após o nascimento do bebê. Se fragmentos dela ou grandes coágulos de sangue permanecerem dentro do útero, eles agem como um obstáculo físico. O tecido retido impede que o útero se contraia de forma completa e uniforme, assim os vasos sanguíneos no local de inserção da placenta não são eficazmente comprimidos, levando a um sangramento contínuo.

Em alguns casos, a placenta pode estar anormalmente aderida à parede uterina (acretismo placentário), tornando a sua remoção extremamente difícil e perigosa, um tópico que será explorado em detalhe na secção sobre cesarianas.


Problemas na coagulação

A causa mais rara de HPP, representando cerca de 1% dos casos. Esta categoria engloba problemas com o sistema de coagulação do sangue da mãe. Se este sistema não funcionar corretamente, mesmo um sangramento que seria considerado normal pode tornar-se incontrolável. Estes distúrbios de coagulação (coagulopatias) podem ser pré-existentes, como a hemofilia, ou podem desenvolver-se durante a gravidez devido a complicações graves, como a pré-eclâmpsia grave, a síndrome HELLP, o descolamento prematuro da placenta ou a embolia de líquido amniótico. Nestas situações, o corpo pode esgotar os seus fatores de coagulação, deixando a mulher vulnerável a uma hemorragia maciça.


Cesariana e o risco elevado de HPP

A cesariana é um procedimento cirúrgico que salva a vida de inúmeras mães e bebês em todo o mundo, disso você já sabe. Quando bem indicada, seus benefícios superam largamente os riscos. No entanto, é fundamental reconhecer que a cesariana não é apenas uma "via de parto alternativa"; é uma cirurgia abdominal com um perfil de risco inerentemente mais elevado do que o parto vaginal, especialmente no que diz respeito à hemorragia.

O risco aumentado de HPP associado à cesariana pode ser analisado através de três vias distintas: o impacto direto e imediato da cirurgia, os fatores indiretos associados ao procedimento e, crucialmente, as consequências a longo prazo para futuras gestações.


O impacto imediato da cirurgia

A razão mais direta e óbvia pela qual uma cesariana acarreta um maior risco de hemorragia está na própria natureza do procedimento. A perda de sangue durante uma cesariana é, em média, o dobro da de um parto vaginal. O motivo é puramente anatômico e fisiológico.

Numa cesariana, para além deste sangramento fisiológico, há o sangramento provocado pela própria cirurgia. O procedimento requer uma incisão através de várias camadas de tecido, incluindo a pele, a gordura, os músculos abdominais e, mais importante, a parede do útero. O útero no final da gravidez é um dos órgãos mais vascularizados do corpo humano e, cortá-lo, por mais preciso e controlado que seja o ato cirúrgico, resulta inevitavelmente numa perda de sangue significativa a partir das bordas da incisão. Por vezes, a incisão pode estender-se lateralmente durante a extração do bebê, atingindo vasos uterinos maiores e agravando a hemorragia.


A cicatriz silenciosa: o risco a longo prazo do acretismo placentário

Talvez o risco mais grave e menos discutido associado à cesariana não seja o que acontece no momento da cirurgia, mas sim o que a cicatriz deixada no útero pode causar em gestações futuras. Cada cesariana cria uma área de tecido cicatricial na parede uterina. Este tecido não tem a mesma integridade e estrutura do músculo uterino normal.

O acretismo placentário ocorre quando, numa gravidez seguinte, a placenta se implanta sobre a cicatriz da cesariana anterior. Devido à natureza do tecido cicatricial, a placenta pode aderir de forma anormalmente profunda e firme à parede do útero, por vezes invadindo o músculo uterino ou até mesmo atravessando-o completamente e atingindo órgãos adjacentes como a bexiga.

A consequência dessa aderência anormal é catastrófica na hora do parto. A placenta não se separa naturalmente do útero após o nascimento do bebê. A tentativa de a remover manualmente pode provocar uma hemorragia maciça e incontrolável, pois rasga o tecido uterino ao qual está fundida.

O acretismo placentário é uma das causas de HPP com maior taxa de mortalidade e frequentemente exige uma histerectomia de emergência (remoção do útero) para salvar a vida da mãe. O principal fator de risco para o acretismo placentário é ter uma ou mais cesarianas prévias. O risco aumenta exponencialmente com o número de cesarianas.

Por isso, uma cesariana hoje não só aumenta o risco para a mulher nessa gestação, como também contribui para um ciclo crescente de risco para gestações futuras na população em geral, transformando uma decisão individual num desafio de saúde coletiva.


Fatores de risco gerais

Embora a cesariana seja um fator de risco proeminente para a HPP, não é o único. Várias outras condições e circunstâncias podem aumentar a probabilidade de uma mulher sofrer uma hemorragia após o parto, independentemente da via de nascimento.


Quem precisa de mais atenção?

  • Histórico de HPP anterior: Uma mulher que já teve uma HPP numa gravidez anterior tem um risco aumentado de ter novamente.

  • Gravidez múltipla: Gestar gêmeos, trigêmeos ou mais bebês leva a uma maior distensão do útero, o que pode dificultar a sua contração eficaz após o parto.

  • Pré-eclâmpsia ou hipertensão gestacional: Estas condições podem estar associadas a problemas de coagulação que aumentam o risco de sangramento.

  • Anomalias placentárias: Condições como a placenta prévia (quando a placenta cobre o colo do útero) ou o descolamento prematuro da placenta estão fortemente associadas a hemorragias graves.

  • Miomas uterinos: Estes tumores benignos no músculo uterino podem interferir na capacidade de contração do útero.

  • Anemia: Mulheres que iniciam o trabalho de parto já com anemia têm menos reservas para tolerar a perda de sangue, tornando qualquer sangramento mais perigoso.

  • Obesidade: A obesidade é um fator de risco independente para a atonia uterina e outras complicações do parto.

  • Trabalho de parto induzido ou prolongado: O uso de medicamentos para iniciar o trabalho de parto e um trabalho de parto que se arrasta por muitas horas podem levar à fadiga uterina.

Vamos reforçar! Apesar desses fatores de risco, a HPP pode ocorrer em mulheres sem quaisquer fatores identificáveis. Esta realidade imprevisível significa que a vigilância e a preparação para uma possível HPP devem ser universais, aplicando-se a todos os partos.


Pra finalizar, sem polemizar, vamos falar de parto domiciliar!

Pensando no risco de HPP, vale a pena parir em casa? É seguro?

Bom, primeiro precisamos falar do contexto. Parir em casa, sem acompanhamento profissional ("freebirth"), certamente não é seguro. O seguro então seria parir com assistência e planejamento.

O parto domiciliar planejado (PDP) é uma opção para as gestantes de risco habitual, mais conhecido como "baixo risco". Mas a HPP não ocorre mesmo sem fatores de risco? Sim! A diferença é que vários dos riscos que você leu aqui são mitigados no parto domiciliar. Por fluir de forma mais fisiológica, sem muitas intervenções, já evitamos vários deles, como episiotomias, uso indiscriminado de ocitocina e fadiga uterina. Também serão excluídas desse contexto as hipertensas, diabéticas e gestações gemelares.

E se mesmo assim você tiver uma hemorragia? Bom, as enfermeiras obstetras (parteiras) possuem todo um arsenal de materiais para solucionar complicações. Assim, quase tudo que seria feito no hospital, é reproduzido em casa. Sutura de lacerações, obtenção de acessos venosos, oxigênio, medicamentos, soro, massagem uterina e até o balão uterino serão feitos na sua casa. A maioria das HPPs se resolve apenas com medicações. E se não resolver? Garantimos a estabilização da mãe e uma transferência segura para o hospital mais próximo - e ele estará a no máximo 30 minutos de distância. Simples assim.

Nós sabemos que o parto domiciliar não é pra todo mundo - mesmo para as que querem muito! Ainda assim, respeitamos e valorizamos a autonomia e as escolhas informadas da mulher, por isso, consideramos o PDP um opção segura e super viável!

Ficou alguma dúvida? Entre em contato conosco! 🤎

 
 
 

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